Os contos são pulicados na ordem em que foram enviados.
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Negócios Inconclusos
Ele era um rapaz do interior, recém-formado na cidade grande desfrutando de seu primeiro bom emprego. Ela era uma moça urbana, só um pouco mais nova. Pareciam fazer um casal perfeito e até os nomes era iguais: Victor e Vitória. Eram colegas de trabalho íntimos: ele chegou a confessar para ela que pretendia abrir sua própria empresa e mostrou um plano de negócios completo; ela falava de seus sonhos simples, como o desejo de conhecer o mar.
Havia uma evidente tensão sexual entre eles, mas havia também uma barreira: Victor tinha uma namorada em sua cidade natal, da qual não pretendia separar-se (e ele ia visitá-la em todos os finais de semana); e Vitória era competitiva demais para aceitar dividi-lo com outra mulher. Apesar disso, eles ficaram juntos e trocaram beijos muitas vezes. Em todos os eventos fora da empresa como aniversários, happy-hours ou festas, eles davam uma "escapadinha". Depois de alguns beijos, Victor fazia os avanços típicos dessas situações, mas Vitória bloqueava: para ir além dos beijos, seria preciso assumir compromisso... Regras impostas por ela... Mas Victor não aceitava essa condição. Depois desses encontros Victor contava os detalhes sórdidos aos amigos, em clima de cafajestagem geral. Esse cenário de "chove-não-molha" durou por algum tempo até que Vitória encontrou um novo trabalho e saiu da empresa. Num instante, tudo acabou.
Quase três anos se passaram sem que se vissem. E então, do nada, em uma quarta-feira véspera de feriado prolongado, Victor recebeu um telefonema de Vitória. Trocaram cumprimentos ("Quanto tempo!", "Como vai a vida?") e Vitória fez uma proposta que a princípio parecia boa demais para ser verdade. Ela disse: "Vou passar o final de semana prolongado na praia. Finalmente vou conhecer o mar. Já comprei um pacote num resort all-inclusive com tudo pago, em um quarto de casal. Só preciso de alguém para me levar de carro até lá... Quer ir comigo?" Vitor quis ter certeza sobre a proporção daquela oferta: "Eu ainda tenho minha namorada"... Ela respondeu com uma cartada decisiva: "Eu não me importo. Se você quiser ir comigo, não vai se arrepender". Victor deu uma meia-resposta: "Eu confirmo para você depois. Tenho de ver se consigo me ajeitar para ir". E ela devolveu a hesitação com total autoconfiança: "Não precisa confirmar. Não me telefone, não vou poder atender. Esperarei você na frente da minha casa amanhã, às 7 da manhã. Espero você no portão".
Victor ficou excitadíssimo com as possibilidades. Bem ao seu estilo cafajeste, optou por dar um "perdido" na namorada: simplesmente não atenderia ao telefone durante o feriadão e depois aguentaria a pressão. No dia seguinte, sem raciocinar direito ("pensando com a cabeça de baixo", como disse a si mesmo) lá estava ele no portão da casa de Vitória às 7 da manhã. Conforme o combinado, ela já estava à espera dele. E foram. E esbaldaram-se por 4 dias e 3 noites, descontando todo o tempo perdido de quando trabalhavam juntos.
Apesar de Victor ser comprometido, parecia que Vitória era quem tinha algo a esconder. Tanto quanto possível, ela manteve-se discreta. Não quis apresentar-se à recepção para o check-ín e o check-out e não foi nenhuma vez ao restaurante desfrutar da gastronomia... Victor almoçava e jantava sozinho, enquanto ela dizia que petiscaria alguma coisa do frigobar. Victor insistiu para tirar fotos, mas Vitória não permitiu de jeito algum. Victor, porém, não se deu por vencido. Ele precisava de uma prova para poder vangloriar-se daquele encontro com seus amigos. Durante um momento em que Vitória cochilava semi-nua na cama, Victor, escondido atrás de uma porta, tirou fotos dela... E depois apressou-se a tirar fotos da paisagem da varanda, da piscina, da praia, para "esconder" aquelas fotos em meio a um monte de arquivos. Enquanto ele tirava fotos aleatórios da paisagem na varanda, ela se aproximou dele, olhou fixamente para o horizonte e murmurou: "O mar é muito lindo. Eu deveria ter vindo antes".
... E eis que chegou o domingo, momento de ir embora.
... E eis que chegou a segunda-feira, dia de ir trabalhar.
Nos primeiros dias da semana Vitor quase não pensou em seu final de semana idílico, pois tinha outras preocupações: suportar a pressão da namorada querendo explicações era a principal delas. Mas à medida que alguns dias se passaram e a situação se acalmou, ele passou a contar aos amigos sobre sua aventura, exagerando nos detalhes e vangloriando-se por ela ter pago tudo e ele ter arcado apenas com a gasolina. Até que na sexta-feira ele achou que deveria telefonar para Vitória. Afinal, desde a viagem eles não se falaram. Mas o telefone dela estava desligado. Tentou várias vezes, não conseguiu. Ficou preocupado. Foi até o setor de RH da empresa e perguntou se eles tinham um telefone fixo da casa dela registrado. Sim, eles tinham. E ele telefonou. Quem atendeu foi a irmã dela. Victor perguntou por Vitória e recebeu uma notícia estarrecedora: "Olha... Sinto informar você... Mas a Vitória faleceu". Vitor ouviu incrédulo, e perguntou quase gritando: "O quê? Como isso aconteceu?". A irmã de Vitória começou a soluçar: "Foi muito triste... Aconteceu 10 dias atrás... Ela estava tão feliz! Ela estava realizando um sonho, planejando uma viagem para conhecer o mar... Ela já estava com tudo arranjado, mas dois dias antes ela sofreu um derrame cerebral e...".
Victor deligou o telefone, sem ouvir o restante do que sua interlocutora tinha a dizer. Ele quase gritava, para espanto de seus colegas de escritório: "Não é possível!!!! Não é possível!!!". Seus colegas aproximaram-se, perguntando se ele estava bem. Ele não estava bem. Mas, de repente, Victor lembrou-se de algo! Ele tinha as fotos!!! Ele tinha uma prova de que tudo acontecera realmente!!! Pegou seu aparelho celular e manuseou freneticamente à procura das fotos de Vitória... Até que as encontrou... E, ao vê-las, soltou um longo e aterrorizante grito que perturbou a todos ao seu redor... Soltou o aparelho celular, que espatifou-se no chão, e ficou tão transtornado que teve de ser socorrido pelos colegas para que fosse hospitalizado e sedado na tentativa de livrar-se do estado de choque que o colocou à beira da insanidade.